Ecologia Histórica
Os primeiros estudos em perspectiva semelhante à da Ecologia Histórica surgem no início do século XVIII enquanto que, no entanto, a primeira aparição do termo (Ecologia Histórica) é em uma publicação de 1940 de John Grainger. Esta pesquisa seria a primeira a se encaixar perfeitamente na tendência ecológica da Ecologia Histórica atual (SZABÓ, 2015). Na tentativa de dissecar a trajetória da Ecologia Histórica, Szabó (2015) divide este campo de pesquisa em três períodos principais desde a década de 1960: a) entre 1960 e 1980 a pesquisa europeia (principalmente britânica) dominou o desenvolvimento; b) na década de 1990 houve um interesse crescente nos EUA; c) enquanto que no século XXI a Ecologia Histórica tornou-se mais diversificada e globalizada.
Segundo este mesmo autor, podemos dividir a Ecologia Histórica em duas vertentes: ecológica e antropológica. A diferença entre essas duas correntes está fundamentalmente em seu foco geral, já que alguns pesquisadores carregam antecedentes das ciências naturais (vertente ecológica) e outros se concentram nas interações sociedade-natureza em uma perspectiva da sociedade humana (vertente antropológica). Para os estudiosos da tendência ecológica, os seres humanos não são necessariamente o fator mais importante nos ecossistemas atuais, sendo possível realizar um estudo de Ecologia Histórica em situações onde a sociedade não está no âmago da questão. Por outro lado, os pesquisadores da vertente antropológica consideram imprescindível a presença dos humanos para realização de seus estudos, já que seu objetivo final é entender a sociedade como parte do mundo natural (SZABÓ, 2010; VELLEND et al. 2013; SZABÓ, 2015).
Em sua revisão epistemológica do campo da Ecologia Histórica, Szabó (2015) observa que a tendência ecológica é anterior à antropológica, que por sua vez só se estabeleceu plenamente na década de 1990 com os estudos de Balée e Crumley. Além disso, o autor destaca que em um período de 65 anos (1948 a 2013) a vertente ecológica dominou as descrições e definições de Ecologia Histórica, onde em um total de 34 definições apenas 8 procedem da tendência antropológica.
Até o final do século XX, o campo da Ecologia Histórica encontrava-se pouco unificado, com pouco ou nenhum diálogo entre seus autores e sendo muitas vezes entendido como sinônimo da História Ambiental e História da Paisagem. No entanto, a partir de meados da virada do século houve um aumento significativo dos debates teóricos referentes ao campo, aumentando também o diálogo entre os autores das duas correntes, que antes pouco conversavam (SZABÓ, 2015).
Crumley (1994, p.6) define a Ecologia Histórica “como o estudo de ecossistemas passados” e, segundo Balée (2006, p.75), “busca compreender as dimensões temporais e espaciais das relações das sociedades humanas com os ambientes, assim como os efeitos globais desses relacionamentos”. No entanto, Dodaro e Reuther (2017) vão além da definição de Crumley, e afirmam que os estudos de Ecologia Histórica buscam entender como as paisagens mudam ao longo do tempo. Entrando em acordo com a tendência antropológica, entendemos que para uma intepretação plena das questões estudadas, a Ecologia Histórica não deve desconsiderar o fator humano, buscando entender as interações passadas e presentes entre sociedade-ambiente (RICK e LOCKWOOD, 2013). Assim, a Ecologia Histórica vai de encontro a uma definição de Ecologia que insere os humanos como componente de todos os ecossistemas (embora nem sempre os colocando no centro da questão) e uma definição de história que abrange tanto a história do sistema terrestre quanto o passado social e físico de nossa espécie (MEYER e CRUMLEY, 2011).
De maneira holística e sistemática, a Ecologia Histórica observa padrões, eventos e processos específicos no passado para entender o presente (SZABÓ, 2015; BAKER, 2003). Em contraposição a uma visão dicotômica, este campo trabalha com uma perspectiva dialética entre a cultura e seu meio, se afastando da interpretação do ser humano como agente passivo (INGERSON, 1994). Assim, embora a Ecologia Histórica reconheça que o ambiente tenha um papel na formação da cultura, ela não abre espaço para a visão determinista que de que este seja o fator único e decisório para a formação de uma cultura. Ao contrário, a Ecologia Histórica assume a autonomia das pessoas para fazer escolhas que não são definidas e reguladas pelo ambiente em que vivem, reconhecendo que essas mesmas escolhas podem causar impacto ao meio (DODARO e REUTHER, 2017). Esses impactos, por sua vez, surgem de maneiras quase imperceptíveis em alguns casos, enquanto que em outras ocasiões suas marcas são notadas sem grande esforço, tal o grau de sua dramaticidade. Independentemente do nível de transformação, a Ecologia Histórica recusa a visão de uma natureza prístina e intocada, uma vez que os humanos deixaram sua marca por onde quer que tenham passado (BALÉE e ERICKSON, 2006; CRONON, 1983; RUSSEL, 1997; DODARO e REUTHER, 2017). Com isso, o objetivo da Ecologia Histórica é compreender o papel dos humanos no processo de transformação das complexas paisagens onde se deu essa interação (BALÉE e ERICKSON, 2006).
Ainda buscando seu reconhecimento, a Ecologia Histórica pode ser considerada um programa de pesquisa, ou seja, é composto por um conjunto de princípios fundamentais dos quais alguns, mas nem toda comunidade científica concorda (BALÉE, 2006 e LAKATOS, 1970). Buscando explicar a Ecologia Histórica como um ponto de vista, Balée (2006) definiu o que seria o seu programa de investigação científica estabelecendo alguns pressupostos:
1) “Quase todos os ambientes da Terra foram afetados em algum grau por atividades humanas.”
2) “O ser humano não é inerente e geneticamente programado para ser danoso ou benéfico ao ambiente.”
3) “Diferentes sociedades impactam as paisagens de diversas maneiras e intensidades, dependendo de fatores socioeconômicos, políticos e culturais.”
4) “Uma grande variedade de interações humanas com a paisagem, em diferentes contextos históricos e ecológicos, pode ser estudada como um fenômeno total (integrador).”
No atual contexto de extrema perturbação mediada por seres humanos em todo o mundo, entender o passado torna-se imprescindível. Assimilar como os elementos observados hoje chegaram ao atual estágio é fundamental para fazer projeções futuras com maior precisão, solucionando problemas a partir da estruturação de políticas ambientais relacionadas aos sistemas socioecológicos (BALÉE, 2013; CRUMLEY, 1994; BALÉE, 2006; DODARO e REUTHER, 2017).
Referências:
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BAKER, A. Geography and History: Bridging the divide. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
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BALÉE, W. The research program of historical ecology. Annual Review of Anthropology, New Orleans, n. 35, p. 75-98, 2006.
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BALÉE, W. Landscape transformation: Overview. In: BALÉE, W. (Ed.) Cultural Forests of the Amazon: A Historical Ecology of People and Their Landscapes. Tuscaloosa: The University of Alabama Press, p. 1-7, 2013.
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BALÉE, W. e ERICKSON, C. Time and Complexity in Historical Ecology. In.: BALÉE, W. e ERICKSON, C. (Eds.) Time and Complexity in Historical Ecology: Studies in the neotropical lowlands. New York: Columbia University Press, p.1-20, 2006.
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CRONON, W. Changes in the Land: Indians, Colonists and the Ecology of New England. New York: Hill and Wang, 1983.
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CRUMLEY, C. L. Historical Ecology: a Multidimensional Ecological Orientation. In: CRUMLEY, C. (Ed.). Historical Ecology: Cultural Knowledge and Changing Landscape. Santa Fe: School of American Research Press, p. 1-16, 1994.
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DODARO, L. e REUTHER, D. Historical Ecology: Agency in Human – Environment Interacrion. In: KOPINA, H. e SHOREMAN-OUIMET, E. (Eds.). Routledge Handbook of Environmental Anthropology. Nova York: Routledge, 2017.
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INGERSON, A. E. The nature/culture dichotomy. In: CRUMLEY, C. L. (Ed.). Historical Ecology: cultural knowledge and changing landscapes. Santa Fe: School of American Research Press, 1994.
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MEYER, W. J. e CRUMLEY, C. L. Historical ecology: using what works to cross the divide. In: MOORE, T. e ARMADA, X.-L. (Eds.) Atlantic Europe in the First Millennium BC: Crossing the Divide, Oxford: Oxford University Press, p. 109-134, 2011.
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RICK, T. C. e LOCKWOOD, R. Integrating paleobiology, archeology, and history to inform biological conservation. Conservation Biology, v. 27, p. 45–54, 2013.
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RUSSELL, E. W. B. People and land through time: linking ecology and history. New Haven: Yale University Press, 1997.
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SZABÓ, P. Why history matters in ecology: an interdisciplinary perspective. Environmental Conservation, v. 37, n. 4, p. 380–387, 2010.
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SZABÓ, P. Historical ecology: past, presente and future. Biological Reviews, n. 90, p. 997-1014, 2015.
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VELLEND, M. et al. Historical ecology: using unconventional data sources to test for effects of global environmental change. American Journal of Botany, 100(7), p.1294–1305, 2013.