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Geografia Histórica

Preocupada com a dimensão espacial da sociedade, a Geografia não deve se esquecer que os fenômenos sociais também são temporais, pois “o espaço é inerentemente temporal, e o tempo é inerentemente espacial” (BAKER, 2003, p.32). Assim, para compreender as múltiplas relações da sociedade com o seu meio, a Geografia necessita de um enfoque espaço-temporal (ERTHA, 2003). Não podemos reduzir a Geografia à análise espacial, assim como não podemos reduzir a História à análise temporal. Geografia e História estão intrinsecamente conectadas e são mutuamente dependentes, sendo cada uma empobrecida sem a outra e, mais importante, cada uma enriquecida pela outra. Embora com maneiras diferentes de olhar o mundo, Geografia e História são complementares na sua forma de compreensão (BAKER, 2003; CARNEIRO, 2018). Mitchell (1954 apud CARNEIRO, 2018) defende que todo trabalho geográfico deve conter uma abordagem histórica e vai além, dizendo que todo geógrafo deve ser, em certa medida, um geógrafo histórico.

           

Embora uma das primeiras aparições do termo remonte a 1846 em um Atlas alemão, a Geografia Histórica começa a ganhar corpo com as publicações de Clifford Darby em 1936, e Carl Sauer em 1940 (LAHUERTA, 2009; BAKER, 2003). Em seu trajeto de construção, a Geografia Histórica foi muitas vezes marginalizada pelos próprios geógrafos, tida como disciplina autônoma, como apêndice da História ou como campo da Antropologia (ERTHA, 2003).

           

Indo além de uma definição que restringe a Geografia Histórica a reconstrução das geografias do passado, como propuseram Wooldridge e Gordon East (1967), Sauer (1925) insere a importância de entender os processos, e aponta que este campo busca compreender as mudanças que as paisagens sofreram a partir da relação entre sociedade e natureza ao longo do tempo. Segundo o autor, “ser geógrafo histórico é estar interessado nas origens e mudanças humanas, através de todo o tempo humano” (SAUER, 1940, p.47). Além disso, cabe a Geografia Histórica investigar como e porque alguns indícios pretéritos persistem na atualidade, relacionando passado e presente para compreender a configuração atual. A diferenciação dos lugares é um interesse intrínseco da Geografia Histórica, sejam essas diferenças entre o “mesmo” lugar em períodos históricos distintos, ou entre lugares distintos no mesmo espaço temporal (CARNEIRO, 2018).

       

No que diz respeito ao método empregado na Geografia Histórica, podemos afirmar que embora a produção dentro do campo seja vasta, o debate metodológico dentro dessa subdisciplina ainda é escasso. Ao tratar do método de estudo do passado, Abreu observa que a categoria presente não deve ser negligenciada, pois “são as ações que transcorrem no presente que redefinem as heranças do passado e preparam o futuro” (ABREU, 2000, p. 18). Além disso, a reconstrução dos sucessivos sistemas temporais e espaciais através da periodização é de suma importância para a Geografia Histórica (SANTOS, 2002).

           

Em 1940, Sauer já apontava a importância da pesquisa de arquivos. Segundo o geógrafo americano, é a partir dos documentos escritos que se dá o primeiro passo na reconstrução dos estágios anteriores de uma área. No entanto, essa busca por documentos e a familiarização com estes não é uma tarefa simples e pode demandar tempo considerável. Dentro da pesquisa de arquivos, Cameron (2001) aponta quatro grandes desafios: a) separar o que é realmente necessário para a investigação; b) combinar a localização dos dados com a escala horizontal de investigação; c) a irregularidade espacial e temporal das fontes; d) a parcialidade dos documentos. Com relação a este último desafio devemos chamar atenção para as vozes que foram silenciadas e o que podemos fazer para recuperar e representar essas vozes alternativas. Se torna necessário uma análise crítica dos documentos que estaremos manejando, além de estar atento aos preconceitos, questões de autenticidade e abrangência das fontes que estão ao nosso alcance (CLAYTON, 2001). No entanto, Sauer adverte que as fontes documentais fornecem apenas parte das informações necessárias para responder às questões levantadas pela Geografia Histórica (SAUER, 1940).

           

Com isso, devemos recorrer aos trabalhos de campo afim de preencher as lacunas deixadas pelas fontes documentais, não ficando restritos apenas aos arquivos. A associação das informações encontradas nos documentos históricos com as marcas verificadas na paisagem acaba por trazer à tona novas perguntas que não seriam feitas de dentro da biblioteca (SAUER, 1940). Não devemos nos restringir somente aos locais de fácil acesso, mas precisamos ir até onde as evidências exigem. No entanto, a leitura dessas marcas requer um olhar atento e especializado, tendo como uma das tarefas mais importantes a identificação de resíduos na paisagem, ou nas palavras de Sauer (1940, p. 48), “relíquias fósseis e culturais”. Essas relíquias, por sua vez, são elementos remanescentes que registram condições e características de tempos pretéritos e que podem nos ajudar a compreender a paisagem estudada.

Referências:

  • BAKER, A. Geography and History: Bridging the divide. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

  • CAMERON, L. Oral History in the Freud Archives: Incidents, Ethics and Relations. Historical Geography, v. 29, p. 38-44, 2001.

  • CARNEIRO, P. A. S. Questões teóricas e metodológicas da Geografia Histórica. Terra Brasilis (Nova Série), n. 10, 2018.

  • CLAYTON, D. W. Questions of Postcolonial Geography. Antipode, v. 33, n. 4, p. 749-751, 2001.

  • ERTHA, R. Geografia Histórica – Considerações. GEOgraphia, Niterói, v. 5, n. 9, p. 29-39, 2003.

  • LAKATOS, I. Falsification and the methodology of scientific programmes. In: LAKATOS, I. e MUSGRAVE, A. (Eds.) Criticism and the Growth of knowledge, Part 3: The Validation of Scientific Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, p. 170-196, 1970.

  • MITCHELL, J. B. Historical Geography. London: English Universities Press, 1954.

  • SANTOS, M. Por uma Geografia Nova: da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São Paulo: Edusp, 6ª edição, 2002.

  • SAUER, C. O. The Morphology of Landscape. Publications in Geography, Berkeley: University of California, v. 2, n. 2, p. 19-54, 1925.

  • SAUER, C. O. Introducción a la geografía histórica. Memoria Presidencial presentada ante la Asociación de Geógrafos Americanos, Baton Rouge, p. 36-56, 1940.

  • WOOLDRIDGE, S. W. e GORDON EAST, W. A Geografia Histórica. In: WOOLDRIDGE, S. W. e GORDON EAST, W. (Ed). Espírito e propósitos da Geografia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, p. 84-107, 1967.

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