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História Ambiental

Durante um longo período as ciências sociais se desenvolveram sob a perspectiva da dicotomia entre sociedade e natureza, colocando as sociedades de fora ou acima da “história natural”. No entanto, no decorrer dos anos foi-se percebendo que não seria mais possível pensar nas sociedades humanas desconsiderando a sua relação com o meio em que vivem. Assim, a História Ambiental é um dos melhores exemplos desse projeto “reformista” que visa ajustar os ponteiros dos relógios dos dois tempos, o natural e o social (DRUMMOND, 1991; WORSTER, 1991).

           

Segundo Foster (2003), essa mudança na perspectiva da visão histórica foi condicionada por quatro fatores: expansão dos estudos ecológicos para escalas regionais em que a atividade humana atual e histórica é inegável; a percepção de que a maioria das “áreas naturais” tem diversas marcas culturais; o reconhecimento de que os legados do uso do solo tem efeito persistente ao longo do tempo; o entendimento de que a História possui capacidade de esclarecimento quanto à estrutura e funcionamento dos ecossistemas, além de auxiliar na predição de modelos para o manejo de tais áreas no futuro.

           

Chegando a aproximadamente seus 50 anos de existência, a História Ambiental ainda pode ser considerada uma subdisciplina recente no meio acadêmico. É a partir das conferências ambientais e dos movimentos ambientalistas que surgiram em resposta a crise ambiental global que a ideia de uma História Ambiental começou a se desenvolver. Embora tenha seu nascimento atrelado a um objetivo moral advindo de compromissos políticos, a História Ambiental transformou-se ao longo do tempo também em um empreendimento acadêmico, ganhando espaço dentro da comunidade científica, se tornando um dos subcampos que mais crescem dentro da disciplina histórica (WORSTER, 1991; MCNEILL, 2010).

           

A primeira utilização do termo “História Ambiental” não é facilmente encontrada, mas sabemos que em 1972 o historiador cultural Roderick Nash ministra o primeiro curso universitário de maior repercussão com o título de ‘História ambiental’, na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (PÁDUA, 2010). É nos Estados Unidos que a História Ambiental acaba criando raízes mais fortes, muito por conta do interesse que há tempos os americanos têm com a relação dos humanos com seu ambiente (WILLIANS, 1991).

           

Na tentativa de esboçar uma filosofia geral do que estava propondo, Nash (1972) sugere que a História Ambiental é o contato do passado da sociedade com seu habitat total. Indo além dessa definição, Worster (1991, p. 4) defende que “a História Ambiental trata do papel e do lugar da natureza na vida humana”, procurando repensar as interações entre os sistemas naturais e sociais, e as consequências dessas interações para ambas as partes, ao longo do tempo (CASTRO, 2004). Assim, o objetivo da História Ambiental é aprofundar o entendimento dessa relação concomitante ao longo do tempo, observando seus desdobramentos (WORSTER, 1991). Embora a História Ambiental esteja interessada em processos históricos, é importante esclarecer que muitos desses processos ainda são correntes na paisagem, não tornando essa subdisciplina em um estudo voltado apenas para o passado (OLIVEIRA, 2007).

           

Ao longo dos seus 50 anos, a História Ambiental foi se diversificando e ampliando seus horizontes até chegar no vasto campo de pesquisa que encontramos hoje, caracterizado pela grande heterogeneidade de assuntos que buscam explorar as interações entre sistemas sociais e naturais. A produção de milhares de historiadores ambientais abrange tanto contextos florestais e rurais como urbanos e industriais, levantando diversas questões culturais, sociais, políticas e econômicas (PÁDUA, 2010).

           

Como apontado anteriormente, o desafio analítico é superar as divisões rígidas e dualistas entre natureza e sociedade, construindo uma leitura aberta e interativa da relação entre ambos. Insistir no dualismo é um convite ao fracasso na compreensão das nuanças dessa relação altamente dinâmica. Assim, a tarefa da História Ambiental é juntar o que os cientistas muitas vezes separam, buscando “colocar a sociedade na natureza” e encarando os humanos como parte integrante dos ecossistemas (WORSTER, 1991; DRUMMOND, 1991). No entanto, deve existir cautela com as influências e determinações causais. Afirmar que a natureza determina a vida social, ou vice-versa, é reduzir demais essa complexa relação, deixando muitas lacunas a serem preenchidas. Além disso, a História Ambiental deve abandonar a visão declencionista do “homem devastador”, indo além da análise da sua ação destrutiva e buscando outras formas de abordagem (PÁDUA, 2010).

             

Em um trabalho de revisão de História Ambiental, Drummond (1991, p.5) aponta cinco características metodológicas e analíticas dessa subdisciplina. São elas: “quase todas as análises focalizam uma região com alguma heterogeneidade ou identidade natural”, ou seja, áreas específicas como um vale, uma ilha, um trecho específico de uma floresta, uma unidade de conservação, entre outros; “o dialogo sistemático com praticamente todas as ciências naturais – incluindo as aplicadas – pertinentes ao entendimento dos quadros físicos e ecológicos das regiões estudadas”, dessa maneira não existe apenas uma consulta esporádica às ciências naturais e sim um diálogo constante; “explorar as interações entre o quadro de recursos naturais úteis e inúteis e os diferentes estilos civilizatórios das sociedades humanas”, traçando um forte paralelo com a Antropologia Ecológica e Cultural; “a grande variedade de fontes pertinentes ao estudo das relações entre as sociedades e o seu ambiente”, sendo capaz de utilizar censos populacionais, econômicos ou sanitários, inventários de recursos naturais, leis, documentos governamentais, fotografias, conhecimento oral, entre outros; “o trabalho de campo”, apontando a importância de observar a área estudada com os próprios olhos e tirar as próprias conclusões, preenchendo lacunas deixadas pelos documentos escritos.

           

No mesmo ano, Donald Worster (1991) elaborou o que seriam os três níveis, ou conjunto de questões que a História Ambiental procura responder.  O primeiro trata do funcionamento da natureza propriamente dita a partir da reconstrução de ambientes passados, ou seja, entender como eram e como funcionavam antes das sociedades humanas. O segundo nível diz respeito a cultura material de uma sociedade e seus modos de produção, sofrendo influência direta de Karl Marx. Neste nível de investigação é abordada a constituição socioeconômica das sociedades, buscando entender o funcionamento das tecnologias de trabalho e exploração, instituições e relações sociais em geral. Por fim, o terceiro nível de análise atém-se às dimensões cognitivas, mentais e culturais da existência humana. Este último nível se refere a como as culturas percebem, valorizam e interagem com a natureza. O autor adverte que “embora possamos, para efeito de clareza, distinguir esses três níveis de estudo ambiental, eles de fato constituem uma investigação única e dinâmica, na qual natureza, organização social e econômica, pensamento e desejo são tratados como um todo” (WORSTER, 1991, p.5).

           

A História Ambiental é intrinsecamente interdisciplinar, talvez mais do que a maioria das variedades da História, retirando e concedendo subsídios de várias outras disciplinas como Geografia, Ecologia e Antropologia, por exemplo (MCNEILL, 2010). Assim, a História Ambiental não deve ser vista como uma redução, e sim como uma ampliação da análise histórica (WORSTER, 1991).

Referências:

  • CASTRO, G. De civilización y naturaliza. Notas para el debate sobre historia ambiental latino-americana. Revista Ecuatoriana de Historia, Quito, n. 20, 2007.

  • DRUMMOND, J. A. A História Ambiental: temas, fontes e linha de pesquisa. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 177-197, 1991.

  • FOSTER, D. et al. The Importance of Land-Use Legacies to Ecology and Conservation. BioScience, v. 53, n. 1, p. 77-88, 2003.

  • MCNEILL, J. R. The State of the Field of Environmental History. Annual Revier of Environment and Resources, Washington, v. 35, p. 345-374, 2010.

  • OLIVEIRA, R. R. Mata Atlântica, Paleoterritórios e História Ambiental. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 10, n. 2, p. 11-23, 2007.

  • PÁDUA, J. A. As bases teóricas da História Ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 81-101, 2010.

  • WILLIANS, M. The relations of environmental history and historical geography. Journal of Historical Geography, Cambridge, v. 20, n. 1, p. 3-21, 1994.

  • WORSTER, D. Para fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.

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